12 dezembro, 2008

Culpa de quem?

Você conhece bem essa história.

O cenário: O paraíso, Adão, Eva, a árvore do fruto proibido, e a serpente. Deus pergunta: "Adão, você comeu do fruto que eu tinha te ordenado que não comesses?"

Aí começa a apontação de dedo. Posso até imaginar: "Foi a mulher que me deste por companheira que me fez comer".

Posso ver a Eva olhar em direção à Adão, soltando faíscas pelos olhos, pensando "seu frouxo, covarde, você vai ver só". Se olhar matasse, Adão caía durinho ali mesmo.

Aí Deus pergunta para Eva: "Por que fizeste isto?". Eva olha de um lado para o outro, e embora não esteja registrado, estou até vendo: "Quem? Eu?"

E mais do que depressa diz: "Foi a serpente que me enganou."

Nasce o primeiro jogo de empurra-empurra da história da humanidade.

E o portador de TDAH? Por que ele age de determinado modo?

Ao contrário do que se possa imaginar, quem é portador desse transtorno não sofre a tentação da preguiça, da ira ou da gula. Quer dizer, pode até sofrer, mas o que faz a pessoa agir do jeito que age não são os sete pecados capitais.

Você não tem culpa de ser do jeito que é. Sua mãe não tem culpa, muito menos seu pai. Não foi falta de amor, não foi desnutrição. Não foram as amizades, nem falta de catequese.

A 'serpente' do TDAH é uma má formação do cérebro, mais precisamente do lóbulo frontal.

Além do mais, o comportamento pode ser modificado através de tratamento com medicamentos, demonstrando que os problemas comportamentais do portador não são de ordem 'moral'. Eu não conheço nenhum pecado que possa ser 'resolvido' com um comprimido.

Tem um livro, que ainda não li, mas que foi citado extensamente num outro livro que estou lendo, cujo título é bastante interessante: You mean I'm not lazy, stupid or crazy?. Em português ficaria algo mais ou menos assim: Quer dizer que eu não sou preguiçoso, burro ou maluco?

"Quer dizer que eu não sou preguiçoso, burro ou maluco?"

Adão e Eva, depois que comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, deixaram de ser inocentes, i.e., perderam a inocência. Passaram a ter conhecimento do certo e errado. Se não tivessem reconhecido que o que fizeram estava errado não teriam tido a necessidade de empurrar a culpa para o outro. Já não podem mais alegar ignorância.

A nossa responsabilidade começa a partir do conhecimento. Depois que você descobre ser portador deste transtorno, não dá para usar a má formação do cérebro como desculpa para não organizar sua bagunça pessoal. Não é mais possível continuar chegando atrasado nos seus compromissos.

É necessário tomar uma atitude para evitar que isso aconteça, ou pelo menos para diminuir o número de ocasiões, ou a gravidade do estado de coisas. Além do mais, a qualidade de vida melhora significantemente.

Eu estaria sendo simplista demais se afirmasse que um comprimidinho resolve o transtorno. Não é bem assim. A questão é mais complicada, e dependendo do grau faz-se necessário acompanhamento psicológico, muitas vezes envolvendo re-aprender a aprender, aprender a fazer diferente. Existe também a questão de adaptação a determinado medicamento, e portanto somente um profissional da área poderá identificar a forma de tratamento adequada para cada caso.

Mas enfim, embora ter o transtorno não seja culpa de ninguém, não dá para usar o transtorno como des-culpa para tudo.

O tempo está nublado, o mar agitado, o inverno vem chegando. Vou aproveitar para recolher os meus sapatos que estão espalhados pela casa.
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