15 dezembro, 2008

Lá nos Cafundó

Conhece aquele ditado "Seria cômico se não fosse trágico"? Pois e', nesse caso foi só cômico. Graças a Deus a tragédia não foi dessa vez.

Essa estória aconteceu alguns anos atrás, mas só hoje faz sentido. Não me lembro de todos os detalhes, aliás pode até ser que a minha memória esteja equivocada em alguns pedaços. E se não foi exatamente do jeito que eu vou contar, deveria ter sido, pois foi essa a impressão que ficou dessa minha aventura.

Eu estava na cidade de São Paulo visitando uma amiga. Depois de passar alguns dias hospedada na casa dela, meu próximo destino era a cidade de São José do Rio Preto, no norte do estado.

A mãe da minha amiga ia viajar comigo, pois elas tinham uma chácara lá por aquelas bandas. E lá fomos nós rumo ao nosso destino logo depois do café da manhã.

A viagem era para demorar cinco horas, um pouco mais, dependendo do tempo que se gasta nas paradas para esticar as pernas.

Geralmente, a gente faz uma parada só, perto da cidade de São Carlos que fica exatamente no meio do caminho. Mas dessa vez, os planos seriam diferentes.

Dessa vez eu tinha uma companhia boa de papo, a viagem estava divertida, com muitas risadas, e com tempo suficiente para colocar as fofocas em dia.

A minha companheira de viagem tinha sugerido que nós almoçássemos em um restaurante um pouco antes da cidade de Limeira, chamado Rancho Mineiro. Éramos só nós duas mesmo, e ninguém estava com pressa. Podíamos nos sentar e saborear uma comida de dar água na boca de qualquer um.

E assim fizemos. O estilo é self-service, o preço é único, com direito à saladas, comida quente incluindo leitoa pururuca, feijoada, feijão tropeiro, arroz carreteiro, e sobremesas caseiras que há muito tempo não comia. Haja sal-de-fruta!

Contentes e de barriga cheia, é hora de botar o pé na estrada.


O papo estava tão bom, que as placas de sinalização indicando as cidades de Araras, Leme, Pirassununga, não foram suficientes para chamar a minha atenção.

Pô, mas com certeza, uma sirene de alerta devia ter tocado quando passamos por Ribeirão Preto! Para falar a verdade não me lembro o que aconteceu quando passamos por lá.

O sol estava se pondo, o marcador da gasolina estava chegando muito perto do vazio, e eu disse para minha passageira.

"Engraçado, já devíamos estar chegando. Mas eu não me lembro de ter passado por Araraquara ou Catanduva."

A noite cai rápido, e nós avistamos um posto de gasolina logo adiante na beira da estrada. Paramos para abastecer e pedir informações, afinal somos mulheres e não temos vergonha de pedir ajuda. :-)

"Quanto vai por de gasolina?"

"Completa, por favor."

"Vai passar uma água no pára-brisas?"

"Ah, sim, por favor. O senhor sabe quanto falta para chegar em São José do Rio Preto? "

"Ih, a senhora está longe."

"Se eu seguir reto aqui nessa estrada, quanto tempo demora para chegar?"

"Se a senhora seguir reto a senhora vai dar no rio."

Nesse momento, a mãe da minha amiga, Luterana diga-se de passagem, começa a rezar o Terço, mas só me conta depois.

"Moço, como é que faço para chegar lá? "

"Ih, pera lá. Ô Zé, vem cá ensinar pra elas como é que faz para chegar em Rio Preto! "

Depois de uns quinze minutos numa estradinha vicinal que supostamente nos levaria até a estrada principal e finalmente ao nosso destino, vímos uma placa que dizia:

"Cafundó a 2 km".

Quando chegamos no nosso destino, nos perguntaram:

"Nossa vocês demoraram, por que? "

"Ah, nós nos perdemos no caminho."

"É? E foram parar aonde?"

"Lá nos Cafundó!"

LITERALMENTE.

Já procurei no mapa. Não tem. Vai ser sofrer de "Transtorno do Deficit de Atenção" assim lá longe, hein!
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12 dezembro, 2008

Culpa de quem?

Você conhece bem essa história.

O cenário: O paraíso, Adão, Eva, a árvore do fruto proibido, e a serpente. Deus pergunta: "Adão, você comeu do fruto que eu tinha te ordenado que não comesses?"

Aí começa a apontação de dedo. Posso até imaginar: "Foi a mulher que me deste por companheira que me fez comer".

Posso ver a Eva olhar em direção à Adão, soltando faíscas pelos olhos, pensando "seu frouxo, covarde, você vai ver só". Se olhar matasse, Adão caía durinho ali mesmo.

Aí Deus pergunta para Eva: "Por que fizeste isto?". Eva olha de um lado para o outro, e embora não esteja registrado, estou até vendo: "Quem? Eu?"

E mais do que depressa diz: "Foi a serpente que me enganou."

Nasce o primeiro jogo de empurra-empurra da história da humanidade.

E o portador de TDAH? Por que ele age de determinado modo?

Ao contrário do que se possa imaginar, quem é portador desse transtorno não sofre a tentação da preguiça, da ira ou da gula. Quer dizer, pode até sofrer, mas o que faz a pessoa agir do jeito que age não são os sete pecados capitais.

Você não tem culpa de ser do jeito que é. Sua mãe não tem culpa, muito menos seu pai. Não foi falta de amor, não foi desnutrição. Não foram as amizades, nem falta de catequese.

A 'serpente' do TDAH é uma má formação do cérebro, mais precisamente do lóbulo frontal.

Além do mais, o comportamento pode ser modificado através de tratamento com medicamentos, demonstrando que os problemas comportamentais do portador não são de ordem 'moral'. Eu não conheço nenhum pecado que possa ser 'resolvido' com um comprimido.

Tem um livro, que ainda não li, mas que foi citado extensamente num outro livro que estou lendo, cujo título é bastante interessante: You mean I'm not lazy, stupid or crazy?. Em português ficaria algo mais ou menos assim: Quer dizer que eu não sou preguiçoso, burro ou maluco?

"Quer dizer que eu não sou preguiçoso, burro ou maluco?"

Adão e Eva, depois que comeram do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, deixaram de ser inocentes, i.e., perderam a inocência. Passaram a ter conhecimento do certo e errado. Se não tivessem reconhecido que o que fizeram estava errado não teriam tido a necessidade de empurrar a culpa para o outro. Já não podem mais alegar ignorância.

A nossa responsabilidade começa a partir do conhecimento. Depois que você descobre ser portador deste transtorno, não dá para usar a má formação do cérebro como desculpa para não organizar sua bagunça pessoal. Não é mais possível continuar chegando atrasado nos seus compromissos.

É necessário tomar uma atitude para evitar que isso aconteça, ou pelo menos para diminuir o número de ocasiões, ou a gravidade do estado de coisas. Além do mais, a qualidade de vida melhora significantemente.

Eu estaria sendo simplista demais se afirmasse que um comprimidinho resolve o transtorno. Não é bem assim. A questão é mais complicada, e dependendo do grau faz-se necessário acompanhamento psicológico, muitas vezes envolvendo re-aprender a aprender, aprender a fazer diferente. Existe também a questão de adaptação a determinado medicamento, e portanto somente um profissional da área poderá identificar a forma de tratamento adequada para cada caso.

Mas enfim, embora ter o transtorno não seja culpa de ninguém, não dá para usar o transtorno como des-culpa para tudo.

O tempo está nublado, o mar agitado, o inverno vem chegando. Vou aproveitar para recolher os meus sapatos que estão espalhados pela casa.
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09 dezembro, 2008

Solidão

Quem já não se sentiu só nessa vida?

Dizem os psicólogos que existe uma solidão boa e uma solidão ruim. A solidão boa é aquela a gente mesmo escolhe - a gente escolhe ficar só: para fazer uma instrospecção, para cuidar de si mesmo, para encontrar o equilibrio, para "dar um tempo". É uma solidão passageira.

É assim desde que o mundo é mundo - senão o autor sagrado não teria escrito: "Não é conveniente que o homem esteja só." (Gen 2, 18).

João Paulo II explica na sua audiência de 10 de Outubro de 1979, "quando Deus pronuncia as palavras a respeito da solidão, refere-as à solidão do «homem» enquanto tal, e não só à do macho."

Isto é, desde o princípio, existe uma preocupação com a solidão. Na verdade, esta solidão é chamada de solidão original.

Não é bom que o homem esteja só. Não só o homem macho, mas o homem enquanto tal.

Homem: Qualquer indivíduo pertencente à espécie animal que apresenta o maior grau de complexidade na escala evolutiva; o ser humano. A espécie humana; a humanidade. (Dicionário Aurélio).

João Paulo II continua dizendo:
O autoconhecimento acompanha o conhecimento do mundo, de todas as criaturas visíveis, de todos os seres vivos a que o homem deu nomes para afirmar em confronto com eles a própria diversidade. Assim portanto, a consciência revela o homem como o ser que possui a faculdade cognoscitiva a respeito do mundo visível. Com este conhecimento que o faz sair, em certo modo, fora do próprio ser, ao mesmo tempo o homem revela-se a si mesmo em toda a peculiaridade seu ser. Está não apenas essencialmente mas subjectivamente só. Solidão, de facto, significa também subjectividade do homem, a qual se forma através do autoconhecimento. O homem está só, porque é «diferente» do mundo visível, do mundo dos seres vivos.
O homem percebe que é diferente e se sente só. E o autor sagrado continua: "vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele".

Importante notar que "auxiliar" aqui não tem o sentido de "subordinação", mas sim de companheirismo, de parceria.

O portador do TDAH mesmo sem ser diagnosticado já sabe que é diferente - e portanto - se sente só. E só vai deixar de se sentir só, quando encontrar um "auxiliar" adequado.

"Onde encontar um parceiro adequado?" é a pergunta que vale um milhão de dólares. Se algúem tivesse uma resposta para isso estaria milhonário.

Minha mensagem à você, portador ou não...

- procure ser um bom amigo
- procure um amigo bom

Afinal, não é bom que o homem esteja só.

Depois de uma noite de ventania, o mar está calmo e o céu nublado. Vou pegar o telefone e ligar para um amigo.
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Mecanismos da Lectio

Achei importante deixar aqui um testemunho sobre fazer Lectio.

Vários textos que explicam sobre o assunto dizem para você 'ficar' com aquela frase, palavra, ou texto até que faça algum sentido. Dizem que muitas vezes o sentido aparece quando menos a gente espera.

Esse texto "Não é conveniente que o homem esteja só" estava comigo já tinha uns dez dias. Um dos passos em se fazer Lectio é estudar o significado do texto pretendido pelo autor. Somente depois é que se procura o significado daquele texto para você, naquele momento específico.

Então saí em busca do significado daquele texto em comentários bíblicos, artigos na internet, até que me deparei com as audiências de João Paulo II. Se não me engano, ele escreveu umas cinco audiências só sobre a solidão original.

João Paulo II não é um autor fácil de ser lido. Para quem tem dificuldades cognitivas, então, nem se fale. Li, reli, fiquei meditando, e nada.

Então, conversando com alguém, essa pessoa disse algo mais ou menos assim: "eu recentemente tinha descoberto o que eu tinha de "diferente" dos outros..."

Aquela palavrinha "diferente" saltou aos meus olhos como brigadeiro em festa de aniversário. (Sou chocaholica, que posso dizer).

E aí ficou claro para mim como tudo aquilo se relacionava com esse momento em especial. É o único sentido? De forma alguma. Mas naquele momento, fez sentido.
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